sexta-feira, maio 20, 2005

Eu estava num opala verde que virava uma esquina...

De vez em quando acontece um fenômeno que me deixa muito intrigado. É sempre num momento em que tudo está perfeito e não poderia ficar melhor que sou subitamente transportado, via imaginação e sentidos, para um lugar num passado não muito remoto que conheço mas que nunca vivi de fato. É difícil explicar, pois acontece num lugar aqui dentro que desconheço e apenas durante alguns poucos segundos. Mas é uma experiência muito doida.

O espaço-tempo

Não consigo precisar muito bem, mas parece que o tempo é no ínicio da década de 80 (eu devia ter uns 5 anos nessa época) e o espaço uma rua que passa em frente da casa onde nasci.
É num domingo, antes do habitual churrasco da igreja. O dia está ensolarado e eu estou dentro de um opala 69 verde, em alta velocidade e fazendo uma curva para entrar numa esquina. Não sei o que toca no rádio nesse momento, mas sei que a cidade está completamente deserta. Tem uma casa amarela estilo chalé que sempre olho antes de fazer a curva, parece que já vivi uma outra vida naquele lugar.

É incrível a sensação de bem estar que tenho quando volto para esse opala durante alguns segundos. Não sei porque isso acontece e deixei de procurar explicações há muito tempo.
O estranho é que desde que era criança esse evento se repete, quer dizer, eu ainda nem sabia dirigir com 8 anos de idade e mesmo assim era transportado para esse opala em alta velocidade entrando nessa esquina. Sabe o que é louco nisso tudo? Passo toda semana nesse lugar, fica perto da casa dos meus avós, mas nunca tenho a sensação de bem estar que tenho quando acontece na imaginação. É como se fosse um refúgio da minha alma, um espaço vago no passado que ela procura toda vez que se sente completa e feliz.

Não consigo interagir de forma alguma com esse momento, sou apenas um espectador. E sempre que acontece estou tão de bem com a vida que na verdade nem tento fazer nada diferente, simplesmente faço aquela curva mais uma vez e sinto aquele estado de bem-estar e felicidade que só esse opala verde pode compartilhar comigo.

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segunda-feira, maio 16, 2005

Morte consumada e morte vivida

Custo a acreditar, mas é verdade... Hoje, algo que estava fazendo força para viver dentro de meu ser, foi brutalmente assassinado. Agora não sei o que fazer, estou com uma espécie de cadáver dentro de mim. Será que existe serviço funerário para esse tipo de morte.
Imaginem a cena:
- Alô, é da funerária que cuida de sentimentos mortos.
- Sim senhor, somos especialistas em retirar, encaixotar e enterrar sentimentos que morreram e não servem para mais nada.
- Se eu levar o cadáver até vocês sai mais barato?
- Não existe custo senhor, nosso pagamento é seu bem estar.

É evidente que a parte de não cobrar nada pelo serviço é pura ficção, desde quando alguém faz um serviço desses e não cobra nada. Eu cobraria!
Mas a questão não é essa, o fato é que tenho que retirar esse cadáver daqui. Tá começando a produzir mal cheiro, não por mim pois não sinto cheiro, mas pelos vizinhos que podem começar a desconfiar de algo.

"Estudiosos como Michel Vovelle concebem a morte de duas formas: a morte consumada e a morte vivida. A primeira consiste no fato bruto da mortalidade, cujo valor é difícil de ser apreciado, pois é determinado por vários referenciais como período histórico, localização geográfica, diferenças entre os sexos e faixas etárias. Já a morte vivida é a rede de gestos e rituais que acompanham o morto e seus familiares desde o percurso da última enfermidade até a agonia do túmulo."

A morte consumada neste caso não teve efeito muito drástico, mas a morte vivida...
essa sim vinha me atormentando há muito tempo. Todo o processo de desligamento que vem ocorrendo desde a última enfermidade estava sendo muito doloroso. Acho que na verdade essa morte que ocorreu aqui dentro tem um algoz. Eu mesmo. Sou o assassino que segurava a vontade e necessidade de matar pelo simples prazer da observação. Mas hoje a coisa foi diferente. Acordei, senti esse sentimento agonizante e sem pestanejar dei o tiro de misericórdia. E como sou o assassino, cuidarei sozinho desse cadáver. Assim não deixo pistas para a polícia e saio ileso deste assassinato tão terrível que cometi há menos de 1 hora atrás.

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terça-feira, maio 10, 2005

A árvore vermelha no meio do caminho...


Tem uma trilha no meio da serra onde ainda existem as tão raras árvores vermelhas, seres de tempos imemoriais, que por uma característica específica possuem o caule da cor vermelha que é extremamente gelado. É um ótimo sinal encontrá-las na beira da trilha, significa que foi presenteado pelo espírito da floresta e pode parar para descansar com total sossego. Uma maneira de recarregar as energias consiste em simplesmente abraçar a árvore de modo que seu corpo fique completamente grudado a ela. Depois desse ritual você ganha mais umas duas horas de energia extra para continuar, pode ser que mais pra frente ainda encontre outra, então é só parar e repetir a dose.

Ilustre Botânica

É curioso como existem coisas que ainda não compreendemos, uma delas é a comunicação com as plantas. Estudos universitários de botânica revelaram que ao colocarmos sensores iguais aos usados para detectar mentira em humanos, nos filodendros de uma planta, consegue-se obter resultados no mínimo curiosos. Um grupo de botânicos combinou que colocaria algumas plantas numa sala, ligadas aos tais sensores . De noite, alguém do grupo escolhido por um sorteio secreto, entraria sorrateiramente e mataria uma das plantas. De manhã o grupo inteiro se encontraria e um a um chegariam perto das plantas, na vez do assasino os sensores dispararam e indicaram estado pleno de agitação de todas as funções das plantas. Elas entraram em pânico!
Será que prenderam esse assasino? Queria ver sua cara, poderia falar-lhe poucas e boas. Onde já se viu, assasinar uma planta só para um teste desses!

Será que as árvores vermelhas que encontro em minhas caminhadas na serra do mar lembram de mim toda as vezes que nos vemos? Quantas coisas poderiam contar se pudessem falar nossa língua. Espero um dia ter a capacidade de conversar com elas, quem sabe não aprendo como era o mundo quando todos os seres ainda viviam em harmonia com a natureza, onde um desma-tamento só ocorria por ordem natural e tanto a água como o ar eram as coisas mais limpas do planeta. Como elas eram alegres nessa época...

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quarta-feira, maio 04, 2005

Do Bep-bop ao Third Stream...


Charlie Parker que me perdoe, mas o surgimento do estilo cool foi essencial para que o Jazz tomasse um rumo mais harmônico e cerebral do que aqueles solos e síncopas nervosas do bep-bop que tanto me irritam. É como se o disco girasse numa rotação superior, coisa para virtuoses e neuróticos. Graças a Miles Davis, que também deve ter se irritado com isso, a harmonia volta a ser resgatada e só assim voltamos a ter contato com esse som maravilhoso do verdadeiro Jazz.
Foi Miles Davis que mais tarde inovou e ajudou a criar o Fusion ou Jazz Rock, controverso entre os Jazzistas, mas de extremo bom gosto comparado ao Bep-bop. É claro que esse estilo foi corrompido com o surgimento de sintetizadores eletrônicos e coisas do tipo. Mas tanto Miles como Charlie eram músicos além de seu tempo e continuaram a ajudar na evolução do Jazz, resgatando mais uma vez a verdadeira essência com o estilo Third Stream, onde se encaixa o incrível Dave Brubeck. Que maravilha fizeram eles, uniram de vez a música clássica ocidental com o Jazz de raiz rítmica.
Conta a lenda que esses grandes músicos de Jazz sempre brincaram com a união da música clássica ao improviso do Jazz, mas isso sempre foi som para poucos. Eles se reuniam em grupos, tocavam uma peça clássica e cada um tinha o seu momento de improvisação, devendo voltar a peça clássica no tempo certo. Os que não conseguiam esse feito paravam de tocar e ficavam de fora da roda só escutando os que realmente conheciam da arte... Quem me dera estar sentado num lugar desses tomando um belo copo de wisky e apreciando a verdadeira essência deste estilo musical tão maravilhoso.

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terça-feira, maio 03, 2005

Vizinhos de janela


Tem um esquilo que mora na araucária, que fica de frente para minha janela, que insite em me espiar umas 3 vezes por dia. Ou será que sou eu a espiá-lo? Fico imaginando a vida maluca que vive lá em cima de uma araucária de 25 metros de altura. Ventos fortes, chuvas e frio devem ser uma constante agora no inverno. Ontem pensei em convidá-lo para tomar um café, mas acho que ele não viria. Primeiro porque teria que atravessar a rua e subir as escadas e segundo porque esquilos não tomam café com humanos. Mas gostaria muito de bater um papo com ele. Me pareceu ser um sujeito interessante. Dia desses ainda escalo aquela araucária e chego de surpresa, quem sabe faço amizade e o convenço a tomar um café comigo. Afinal, vizinhos são para essas coisas...

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domingo, maio 01, 2005

Sobre pedras e flores

Algumas coisas sempre me deixaram incrivelmente impressionado. Uma delas é a capacidade que a flores tem de serem tão bonitas. Simplesmente nascem, crescem e ficam bonitas. Como invejo esses seres vegetais que com tão pouco conseguem tanta beleza. Basta a terra, a água e sol. Acho que os vegetais são seres mais evoluídos do que nós. As pedras talvez sejam mais evoluídas ainda, não precisam de nada. Simplesmete existem e é nisso que está sua beleza. Não sei se vocês gostam de pedras, eu gosto. Sempre que vou até a montanha observo algumas de minhas pedras preferidas. Converso com elas, pergunto o que viram. Mas elas nunca respondem, ficam ali paradas me olhando com um olhar sereno. Às vezes acho que sentem pena de mim. Sabem que meu tempo aqui é curto. Mas não ligo muito para o que pensam. Ligo para sua beleza estática, para o seu simples existir. Tem vezes que uma dessas flores nasce numa dessas pedras, dai o espetáculo fica completo. Dois seres perfeitos se ajudando de alguma forma. A flor procurando um lugar alto e seguro e a pedra querendo ficar mais bonita do que já é. Como a natureza é bela em sua forma simples, nunca cansarei de observá-la com meus olhos de criança.

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