Tenho um dragão que mora comigo. Não, isso não é verdade.
Não tenho nenhum dragão. E, ainda que tivesse, ele não moraria comigo nem com ninguém. Para os dragões, nada mais inconcebível que dividir seu espaço - seja com outro dragão, seja com uma pessoa banal feito eu.
Eles são solitários, os dragões. Quase tão solitários quanto eu, depois de sua partida. Digo quase porque, durante aquele tempo em que ele estava comigo, alimentei a ilusão de que meu isolamento para sempre tinha acabado. E digo ilusão porque, outro dia, numa dessas manhãs da ausência dele, pensei assim: os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma que precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderam no caos da desordem sem nexo.
Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.
Essa imagem me veio hoje pela manhã quando abri a janela e vi que não suportaria passar mais um dia sem contar essa história de dragões. Gosto de dizer, tenho um dragão que mora comigo, embora não seja verdade.
Como eu dizia, um dragão jamais pertence e nem mora com alguém. Seja uma pessoa banal igual a mim, seja um unicórnio, salamandra, elfo, sereia ou ogro. Eles não dividem seus hábitos. Ninguém é capaz de compreender um dragão. Quem poderia compreender, por exemplo, que logo ao despertar (e isso pode acontecer em qualquer horário, já que o dia e a noite deles acontecem para dentro) sempre batem a cauda três vezes, como se estivessem furiosos, soltando fogo pelas ventas e carbonizando qualquer coisa próxima num raio de mais de cinco metros? Hoje, pondero: talvez seja a sua maneira desajeitada de dizer: que seja doce.
(Caio Fernando Abreu)
segunda-feira, março 27, 2006
terça-feira, março 07, 2006
Sonhei estar descalço
Esta noite sonhei estar descalço em outro país. Encostado na mureta de um metrô super movimentado. Que sensação gostosa de estar num lugar diferente e ao mesmo tempo desconfortável por estar descalço. Tenho que ter uma conversa séria com Morfeu, para ver se da próxima vez pelo menos me deixa um par de havaianas, assim lembro de onde sou e consigo caminhar mais rápido. Os sonhos se passam num piscar de olhos e não quero perder tempo com detalhes numa viagem tão rara.
Será que foi um sonho premonitório ou uma simples projeção de um desejo antigo?
Não importa, o fato é que mesmo estando descalço me senti bem naquele lugar, como se já morasse lá há muito tempo. Resta saber qual era o país, pois falavam uma língua completamente estranha das que conheço.
Esse foi mais um daqueles sonhos que não teve fim, alguém chegou e disse que tinhamos de
ir até um determinado lugar e fazer uma coisa específica. Mas o grande problema era estar descalço, por isso resolvi não ir com essa pessoa. Simplesmente me encostei na mureta e contemplei aquele lugar tão diferente de todos que conheço.
Será que foi um sonho premonitório ou uma simples projeção de um desejo antigo?
Não importa, o fato é que mesmo estando descalço me senti bem naquele lugar, como se já morasse lá há muito tempo. Resta saber qual era o país, pois falavam uma língua completamente estranha das que conheço.
Esse foi mais um daqueles sonhos que não teve fim, alguém chegou e disse que tinhamos de
ir até um determinado lugar e fazer uma coisa específica. Mas o grande problema era estar descalço, por isso resolvi não ir com essa pessoa. Simplesmente me encostei na mureta e contemplei aquele lugar tão diferente de todos que conheço.